terça-feira, 24 de junho de 2008

Personalidade – Teoria Psicossocial

Este artigo faz parte de uma série sobre as Teorias da Personalidade e como usá-las em jogos de RPG. Para maiores detalhes acesse o link.

Essa teoria surgiu do estudo do homem e de seu processo de socialização, da maneira pela qual cada um de nós conhece e apreende as outras pessoas e os elementos ao nosso redor.

Atitude
Antes de mais nada é preciso definir o que é Atitude e diferenciar esse conceito da idéia popular que se tem dele. Muitos comparam atitude com decisão. Expressões como: “você precisa tomar uma atitude”, são freqüentemente utilizadas. Nesse exemplo, a palavra atitude tem sinônimo de decisão. Decidir-se é escolher entre uma coisa e outra, tomar partido, resolver ou colocar fim à um problema.

O conceito de Atitude aqui usado é bem diferente. Atitude é o conjunto de componentes cognitivos, afetivos e comportamentais que se têm em relação a um objeto social. Parece complicado mas não é! Vamos examinar todos esses conceitos.

Componente Cognitivo
Pára que se tenha uma Atitude em relação à alguma coisa é necessário conhecê-la, ter idéia do que ela seja e/ou saber sua utilidade. O conjunto de conhecimentos (cognições) a cerca de um objeto social definem o componente cognitivo da Atitude.

Por exemplo: se perguntarmos para um professor de história qual sua atitude em relação aos estudos mais recentes sobre robótica realizados no Japão, dificilmente ele teria como nos dizer alguma coisa a respeito do assunto. Mas se perguntarmos a ele sobre os presidentes que o Brasil teve ao longo de sua história teríamos uma resposta adequada sobre o tema. Ele possui Atitude com relação à História do Brasil e não sobre Robótica.

Componente Afetivo
Esse componente trata dos afetos, prós ou contras, que se tem em relação a um objeto social. Esse afetos podem ser emoções, sentimentos ou uma definição simples como “gosto” ou “não gosto”. Não é possível ter o componente afetivo sem antes o cognitivo, afinal, não dá para se decidir se gosta ou não de algo sem antes saber que algo é esse.

Continuemos com o mesmo exemplo: o professor de história se especializou em história do Brasil porque gosta do seu país e sente orgulho de ser brasileiro. Por outro lado, não gosta dos Estados Unidos devido à sua postura intolerante com outros países.

Componente Comportamental
As Atitudes possuem um componente ativo, que instiga a pessoa a agir de acordo com seus componentes cognitivos e afetivos. Essa predisposição a ação em relação ao objeto social é o componente comportamental.

Exemplo: Sei que a água gelada do mar refresca o corpo num dia quente de verão e eu gosto disso, essa sensação me faz bem, logo, vou mergulhar assim que for possível.

Objeto Social
É tudo aquilo que está no ambiente (fora de você mesmo); é tudo aquilo que existe e é representado de alguma forma: outras pessoas, minha casa, a cidade, o mar, o governo, a religião, meus amigos, minha vizinha, os animais, os cachorros, os gatos, as árvores, a floresta, o planeta, a galáxia.

Os exemplos são incontáveis e podemos ter uma Atitude em relação a cada um deles.


Tipos de Atitude
Existem quatro tipos de Atitude, que se diferenciam pela relação que existe entre seus três componentes:

Equilíbrio
Dizemos que uma Atitude está em equilíbrio quando os seus componentes cognitivos, afetivos e comportamentais estão alinhados. Exemplo: as forças armadas são importantes para a defesa da soberania de um país, gosto de servir ao exército e tornei-me soldado.

Dissonância Cognitiva
Ocorre Dissonância Cognitiva quando o Componente Cognitivo não está de acordo com os outros dois componentes. Por exemplo: sei que cigarro faz mal para a saúde, provoca câncer e problemas respiratórios, mas, adoro fumar cigarros e fumo vários deles durante o dia.

Dissonância Afetiva
Acontece quando o Componente Afetivo não combina com os outros componentes da Atitude. Nesse caso, o comportamento e a cognição estão de acordo, mas os afetos não. Exemplo: Sei que as forças armadas são importantes para a soberania de um país mas não gosto de ser soldado, entretanto, tive que me alistar e estou servindo porque é obrigatório.

Dissonância Comportamental
É quando a pessoa não pode ou não consegue agir da maneira que sabe e gosta. Exemplo: Ser rico me permite comprar vários carros, mansões, ilhas no Caribe e tudo mais o que eu desejar. Eu adoro ser rico. Mas fiquei pobre e não tenho mais onde cair morto.

O que é Dissonância?
Quando uma pessoa está em Dissonância significa que ela está vivendo um conflito. É um estado desagradável e a pessoa buscará o equilíbrio o quanto antes, pelo caminho que lhe provocar o menor desgaste possível. Se o equilíbrio não for possível, a dissonância será evidente, através de alterações de humor ou do comportamento.

Por exemplo: o caso do fumante. Um fumante detesta quando lhe falam que fumar provoca câncer. Isso traz a dissonância à tona! Evitar falar no assunto, ignorar o tema ou mesmo não ler nada a respeito ajuda a afastar a dissonância. Tocar no assunto provoca irritação, mal humor ou até mesmo agressão, dependendo do caso. Por outro lado, parar de fumar é mais difícil porque teria de alterar dois componentes da Atitude, o que é bem difícil de se fazer sozinho.


Como isso funciona na prática?
Crie para o seu personagem Atitudes em relação às coisas e pessoas importantes de sua aventura: os outros personagens; os NPCs; a religião que ele segue ou que combate; os grupos e organizações que ele segue ou combate; outros planetas ou sistemas estelares; outras raças; sobre a vida, a morte, a sorte, a guerra, a traição, a justiça, a ordem.

Usar o conceito de Atitude ajuda a definir uma personalidade para o seu personagem, pois você terá parâmetros sobre o que ele conhece sobre um certo objeto social, se gosta ou não dele e se age em prol desse objeto.

Definindo algo em torno de dez a quinze Atitudes dentre os temas que citei acima, entre elas algumas em equilíbrio e outras dissonantes, já seria o suficiente para vários momentos de interpretação e ganchos diversos para o mestre e os jogadores usarem na aventura.

Exemplos:

Atitude com relação ao Luck (PC), Equilibrada
Componente Cognitivo: luck é uma pessoa honesta e está sempre disposto a ajudar os amigos
Componente Afetivo: Gosto da companhia dele.
Componente Comportamental: sou amigável com ele.
A relação com esse personagem é tranqüila e será amistosa na maior parte do tempo.

Atitude com relação ao Tor (PC), Dissonância Cognitiva
Componente Cognitivo: Ele é relaxado, preguiçoso e covarde.
Componente Afetivo: Ela é boa pessoa (apesar de tudo!)
Componente Comportamental: sou amigável com ele.
A relação com esse personagem é mais tumultuada. Em momentos de tranqüilidade os dois podem se dar bem, mas quando as falhas encontradas em Tor tornam-se evidentes existe conflito entre os dois personagens.

Atitude com relação à Miriam (PC), Dissonância Afetiva
Componente Cognitivo: Ela é confiável e esperta, sempre sabe o que fazer.
Componente Afetivo: Não gosto dela (sem motivo aparente).
Componente Comportamental: somos companheiros de viagem.
Nesse caso é reconhecida as qualidades do outro personagem, mas existe uma certa antipatia que permeia o relacionamento dos dois. Apesar disso, ainda se permitem viajar juntos.

Atitude com relação ao Marcos (NPC), Equilibrada
Componente Cognitivo: Marcos é uma pessoa egoísta e cruel.
Componente Afetivo: Odeio essa pessoa.
Componente Comportamental: permaneço bem longe dele.
Existe equilíbrio nessa Atitude, pelo menos até os dois se encontrarem!

Atitude com relação à Carla (NPC), Dissonância Comportamental
Componente Cognitivo: Carla é uma pessoa meiga e carinhosa. Ela é maravilhosa!
Componente Afetivo: Amo essa pessoa.
Componente Comportamental: estou longe dela, em outro país, a trabalho.
Aqui a dissonância provoca saudade e uma certa tristeza.

As situações ainda podem se tornar bem interessantes no caso de dois personagens terem Atitudes diferentes um pelo outro. Digamos que um deles tenha uma Atitude Equilibrada e o outro Dissonante. Ou Atitudes diferentes com relação ao mesmo tema, como uma religião ou governo específico e, ao mesmo tempo, Atitudes Equilibradas e amigáveis um e relação ao outro. A gama de conflitos que podem ser criados é infinita.

Claro que esses conflitos não serão eternos, pois toda mudança de Atitude é possível, mas é difícil e leva um certo tempo. Essa mudança irá depender mais dos jogadores e de sua interpretação do que da vontade do mestre ou das regras. O mestre só interfere quando se tratar de NPCs, como veremos a seguir.

Mudança de Atitude
Outra maneira bem interessante de usar essa teoria é em jogos onde a política, a negociação, a lábia, a diplomacia, a sedução e a intimidação entram em cena. Numa mesa onde todos os jogadores e NPCs possuem Atitudes, interpretar essas situações fica muito mais divertido.

Imaginem que os personagens dos jogadores precisam convencer um aliado importante de um rei/presidente/imperador a traí-lo. Aqui, não importa qual o sistema está sendo usado, pois vários deles possuem regras próprias para isso, desde Gurps até D&D.

O mestre, antes de tudo, define qual é a Atitude desse NPC em relação ao seu superior e se ela é Equilibrada ou está Dissonante. Como mestre, não entregue essa informação de maneira fácil aos jogadores. Estimule-os a manter e interpretar uma conversa com esse NPC e, a partir das informações que surgirem daí, eles vão tentar entender qual é a Atitude dessa pessoa com relação ao seu superior.

Com essa informação em mãos, os jogadores podem optar por uma abordagem voltada para o lado cognitivo, usando do conhecimento e da razão, como testes de diplomacia e negociação; ou uma abordagem voltada para o lado afetivo, como lábia e sedução; ou apelar para uma mudança brusca de comportamento através de ameaças, usando a intimidação.

Saber qual perícia usar em qual momento seria a chave para a vitória.

Primeiro exemplo
Se o NPC em questão disser que: o seu senhor é um tirano, faz a população de seu país passar fome e sofrimento e trata a todos ao seu redor com desprezo. Por outro lado, diz que o tem como a um verdadeiro pai, pois foi criado ao seu lado desde muito pequeno e sente muita gratidão por conta disso. E diz também que o serve como forma de retribuição pelo que já recebeu.

Pois bem, usar de negociação ou diplomacia, nesse caso, não resultaria efeito algum. Afinal, o NPC já está convencido de que seu senhor não é das melhores pessoas. Ao invés disso, se sedução ou lábia forem usadas para se modificar o componente afetivo fica mais fácil. Alterando o componente afetivo e deixando-o igual ao componente cognitivo, aumentam as chances de seu comportamento também seguir esse novo equilíbrio e a traição acontecer.

Com lábia, é possível alterar os afetos do NPC em relação ao seu senhor, colocando-o numa situação em que ele gosta de alguém que despreza a todos. Com sedução, é possível opor os sentimentos do NPC com relação ao seu senhor e a pessoa que o seduziu, fazendo-o se decidir entre um e outro (é mais arriscado mas igualmente efetivo).

Segundo exemplo
Se o NPC em questão disser que: o seu senhor é um bom líder, é justo e atende aos pedidos de seu povo e aos tratados de paz com outras nações. Por outro lado, o detesta por ser autoritário e exigente demais com ele. Mas o serve por dever cívico com relação ao seu país.

Nesse caso, uma maneira fácil de convencimento é dar motivos para alimentar ainda mais os afetos do NPC. Fazendo testes de diplomacia, política e/ou negociação, para demonstrar erros e falhas em seu governo. Dessa forma, muda-se a opinião do NPC sobre as competências de seu senhor (Componente Cognitivo), tornando-as débeis e frágeis. Tornando o Componente Cognitivo similar ao Afetivo fica mais fácil provocar uma mudança de comportamento e uma possível traição.

Aplicação em Sistemas e Cenários
Essa teoria e o conceito de Atitude pode ser usado em qualquer sistema ou cenário como complemento às suas regras de intimidação, lábia, sedução e diplomacia. Essa teoria também é muito boa quando se quer explorar melhor o relacionamento entre os jogadores ou entre jogadores e NPCs.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom o texto, fácil de entender.