sábado, 31 de maio de 2008

Macaco quer banana?

Grande parte dos livros de RPG publicados no Brasil aborda o tema do heroísmo, de uma forma ou de outra. Seja ela evidente como no novíssimo Mutantes e Malfeitores lançado pela Jambô editora; ou mesmo em linhas de horror pessoal, como o livro da White Wolf Lobisomem: o apocalipse, onde os personagens precisam salvar Gaia da destruição provocada pelos humanos.

Por um lado, essa abordagem utilizada pelos livros é ótima, pois dá sentido a existência do herói, pois ele existe para salvar alguém ou alguma coisa. Personagens que façam sentido e que tenham um papel bem definido dentro de um cenário é o mínimo que eu espero de bons livros.

Por outro lado, isso é pouco para um personagem, e jogar usando apenas esse pano de fundo acaba se tornando repetitivo e cansativo. Não é a toa que um filme termina justamente quando o vilão morre ou é derrotado. Star Wars só acabou quando Darth Vader morreu. Daquele ponto em diante a história do herói já não interessava mais, afinal, ele já havia cumprido com seu destino. Quando não há mais nada a ser salvo o herói perde sua utilidade. Ninguém estava interessado em ver a República se reconstruindo ou os povos em paz. Para o cinema, a literatura, graphic novels e até telenovelas (brasileiro adora uma né!) esse formato é ótimo. Sustenta a trama. Mas, e para uma campanha de RPG?

Para uma campanha isso é pouco, pois raramente elas têm desfecho. E mesmo que tivessem, considerando a hipótese de que foi apenas um arco de histórias que se fechou quando o maior rival dos personagens foi finalmente derrotado. E agora? O que fazer depois? Procurar nos classificados pelo vilão disponível mais próximo?

Uma saída. Talvez não a melhor, mas com certeza uma bem prazerosa e divertida, é dar muito mais cor ao seu personagem. Ele pode ser muito mais do que aquilo que vem pré-definido nos livros. Mas o que?

Todo mundo, e aqui eu estou falando de pessoas, possui uma certa motivação interior. Não é à toa que acordamos de manhã para ir trabalhar, saímos a noite para ir estudar, passamos a tarde de sábado escrevendo um texto de blog! Existe algo dentro de nós que nos impulsiona a fazer coisas das quais gostamos. E existe um grande sentimento de satisfação que é despertado quando realizamos essas coisas. Elas são tão simples quanto estar com os amigos, ver um bom filme, passar a noite jogando RPG ou mesmo comer um bom pedaço de pizza. O que nos motiva são as pequenas coisas, vividas no dia-dia, que nos dão satisfação, nos impulsionam, para enfrentarmos as situações menos prazerosas da vida. Ora, porque isso não se aplica a um personagem?

Como o seu guerreiro de nível 20, capaz de matar um exército orc inteiro com um único golpe consegue sobreviver ao tédio de passar dias explorando uma dungeon sem ver a luz do dia, ou comer comida quente de qualidade, ou mesmo dormir numa cama confortável e macia? Será que a vontade dele de matar o monstro e pilhar o tesouro é tão alta assim?

Criar para seu personagem essas pequenas coisas, simples, que lhe trazem alegria e satisfação mesmo nas horas mais difíceis é o primeiro passo para torna-lo mais completo, verossímil e divertido de se jogar. Imagina o estardalhaço que um anão faz ao chegar numa taverna e pedir um porco assado inteiro depois de dias numa viagem onde ele só comeu pão seco e queijo podre? As possibilidades de interpretação aumentam quando temos isso em mente.

Qualquer coisa pode servir de motivação para o seu personagem, elenque algumas ou várias e lembre-se delas no decorrer do jogo, faça seu personagem persegui-las se ficar muito tempo sem ter acesso a elas. Alguns exemplos: comer algum prato especifico, ouvir música, ficar em silêncio, fazer sexo, conversar com os amigos, escrever, cantar, dançar, matar monstros(!), cochilar a tarde, brincar com animais, entre outras. Essas são simples e comuns. Dependendo do estilo do seu personagem ou do jogo, você pode optar por coisas mais exóticas ou socialmente não muito bem aceitas. Use sua imaginação.

Agora que já tornamos o seu personagem motivado, bem disposto pra encarar o mundo, o que é que ele vai fazer? Temos aqui alguém com disposição, mas disposição pra que? Salvar o mundo de novo?!

Crie objetivos para o seu personagem. Faça-o desejar intensamente alguma coisa. Seja ser alguém famoso, ou ter algo importante ou fazer algo grandioso. A motivação empurra o personagem para frente, enquanto que escolher seus objetivos mostra para onde ele está indo. Ao contrário de suas motivações, seus objetivos devem ser difíceis de serem alcançados, mas não impossíveis. Pense em grandes feitos, grandes conquistas, algo que o torne famoso, que lhe traga sentimentos de alegria e satisfação.

E não tenha apenas um objetivo. Defina vários. Alguns mais simples e fáceis de se alcançar e outros maiores, mais bem elaborados e que precisem de muito trabalho, esforço e tempo para serem concluídos. Estamos sempre correndo atrás de alguma coisa. Quando atingimos um objetivo rapidamente já apontamos pra outro e seguimos em frente. Se nós, pessoas normais, traçamos planos para nossas vidas, como por exemplo: terminar a escola, fazer uma boa faculdade, aprender inglês e fazer uma pós-graduação de renome para termos um bom emprego e uma vida tranqüila, tarefa essa que consome anos de nossa vida, porque seu personagem também não teria?

Se o objetivo for muito longo e demorado de se alcançar, planeje metas. Metas funcionam como objetivos menores, como se você estivesse galgando os degraus de uma escada e seu objetivo final é chegar ao topo. Cada meta que se alcança é motivo de orgulho, traz satisfação, por isso elas também servem como um elemento de motivação.

Negocie com seu mestre objetivos que combinem com o cenário e a campanha que vocês estão jogando. De preferência, amarre a história de seu personagem à história do mundo.

Fazer seu personagem dar atenção às suas motivações e perseguir seus objetivos e metas traz diversos elementos para a interpretação do seu personagem e para a construção conjunta de uma história com o mestre. As aventuras podem estar focadas no tema geral do cenário utilizado pelo grupo, seja ele heróico ou não, e também conter vários elementos da história pessoal do seu personagem. O que só irá tornar a história mais rica e divertida para todos.

Fazendo uso dessas opções de interpretação ficará mais fácil para o jogador construir uma história junto com o mestre como eu apontei nesse artigo.

Mas também, dessa maneira, corremos um risco muito grande de cairmos em outro problema. Problema esse que eu mesmo critiquei nesse artigo. É possível conciliar, numa mesa com várias pessoas jogando, uma história que comporte tantos interesses diferentes? É possível mestrar para um grupo assim? Como o mestre lidaria com tantas histórias que poderiam levar até mesmo a uma cisão do grupo? Como o grupo poderia se organizar?

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Construindo uma história

No artigo anterior, falei sobre a importância da imaginação e coloquei de forma diferenciada o papel do mestre e dos jogadores durante o jogo. Nesse texto, vou tentar desenvolver melhor essa idéia, me enveredando pelas possibilidades que existem quando mestre e jogadores se dedicam à construção de uma história.

A construção de uma história de RPG, a aventura propriamente dita, exige a participação do mestre e dos jogadores. Por incrível que pareça, conheço jogadores que não sabem ou nem ao menos se preocupam com isso. Vem para o jogo apenas para ouvir o mestre narrar e rolar os dados quando lhe forem solicitados. Este modo de jogar não é errado, mas torna o trabalho do mestre muito mais pesado e a história como um todo se torna mais pobre. O que torna um trabalho de criação mais rico: quando uma única pessoa pensa sobre ele ou quando um grupo se dedica ao trabalho?

Uma maneira de tornar o trabalho do mestre mais leve é fazer uso de aventuras prontas. Muito simples. Ele a compra, lê, e terá apenas o trabalho de contá-la aos jogadores. Nesse sentido, essas histórias pré-montadas são excelentes, pois já possuem começo, meio e fim. E é justamente aí que residem alguns problemas.

Aventuras prontas tem o inconveniente de tosarem o poder de decisão dos jogadores. Para que o jogador irá se preocupar em pensar pelo seu personagem correndo o risco de se desviar da aventura? Ou, pensando de outra maneira, porque o jogador irá pensar em outras alternativas além daquelas propostas pela aventura, pois sabe que o mestre não irá aderi-las por não estarem previstas no livro?

Quando eu vou mestrar nunca sei de antemão o que irá acontecer na aventura. Meus jogadores já sabem disso. Nunca planejo nada. O que faço é pensar apenas num chamariz inicial. Uma isca. Algo que desperte o interesse deles e os impulsione em alguma direção. Vou exemplificar usando um cenário de fantasia medieval.

Começa a aventura e os personagens estão viajando por uma estrada entre florestas. Eles estão há horas de viagem de qualquer vila ou cidade próxima e se deparam com o corpo de uma pessoa estendida ao chão.

Um corpo estendido no chão. Essa é a isca. O fato dos personagens darem ou não atenção a isso irá fazer toda a diferença para o prosseguimento da história. Se forem personagens participativos e dispostos a fazer parte da construção da narração, eles logo irão parar de caminhar e começarão a fazer perguntas sobre o corpo. Note que, propositalmente, não dei descrição alguma sobe causa da morte, ferimentos visíveis ou ao menos a idade aproximada e sexo da pessoa. Pra que entregar de mão beijada as informações se posso instiga-los a perguntar por elas?

Se os jogadores não falarem nada, ou mostrarem pouco interesse pela isca, caberá ao mestre querer insistir nela ou não. Num modelo de aventura pronta os jogadores tendem a isso, pois sabem que o mestre acabará dando indícios da direção a ser seguida. Se os jogadores sentirem que a história já está pronta na cabeça do mestre (seja ela retirada de um livro ou não) eles pouco se esforçarão para manter o ritmo da narração, pois sabem que pouco podem fazer para mudá-la.

Agora, numa aventura de enredo mais livre, sua continuidade irá depender de como os jogadores respondem ao que o mestre lhes diz. Voltando ao exemplo acima:
  • Se os personagens decidem investigar o corpo a partir dos ferimentos nele encontrados, o mestre poderá se decidir sobre marcas de garra ou presa, levando a aventura para ambientes selvagens e inóspitos; ou poderá se decidir por cortes limpos, dando a entender que se trata de armas afiadas, podendo levar a aventura de volta á alguma cidade.
  • Se os personagens decidem por revistar o corpo e verificar seus pertences, o mestre poderá dar indícios da origem daquela pessoa, como alguma carta, emblema ou símbolo que leve os personagens a querer procurar a família ou amigos da vítima. Dessa forma a aventura poderá englobar esses outros personagens, dando-lhe nova direção.
  • Se os personagens decidem partir da própria experiência e conhecimento, pedindo testes de perícia apropriados, o mestre poderá lhes dizer sobre alguma fortaleza em ruínas nas redondezas; ou boatos sobre ladrões assassinos na região; ou sobre rixas sangrentas entre guildas de comerciantes na cidade próxima; ou qualquer outra coisa que possa dar pistas sobre o que aconteceu ao corpo.

Todas essas possibilidades, e muitas outras, estão abertas, dependendo de como os jogadores se aproximam dessa isca e como lidam com ela. Dessa forma, o mestre valoriza o que o jogador tem a oferecer, aproveitando o seu próprio modo de jogar para construir os acontecimentos seguintes. A partir das decisões dos personagens, caberá ao mestre dar continuidade a história, criando novamente esses momentos em que o personagem tem que se apropriar ele mesmo da história para que ela aconteça.

Esse é o ponto onde eu queria chegar. Hoje, eu entendo que os jogadores, através de seus personagens, devem se apropriar da história da aventura. Quando o jogador entende que é diretamente responsável pela história do seu personagem e, conseqüentemente, pela história que é vivida pelo grupo, ele passa a participar mais dela. Mas não cabe apenas ao jogador pensar dessa forma. Cabe também ao mestre entender que a história compartilhada é muito mais rica e prazerosa. Sem o mestre dar essa abertura aos jogadores fica impossível isso acontecer.

Quando o jogador tem posse do destino de seu personagem e sabe que tem possibilidades reais de decidir que tipo de histórias irá jogar, grandes mudanças ocorrem na sua postura diante do jogo. O jogador sai de uma posição passiva, onde antes apenas acompanhava o ritmo da aventura e passa a participar ativamente da história. Ele busca respostas, se compromete em dar sentido para tudo aquilo que está acontecendo com ele e com as coisas ao seu redor ao invés de simplesmente sentar e esperar as coisas acontecerem.

Dessa forma, mestres e jogadores dialogam. Trocam idéias. Alimentam-se da criatividade e da imaginação um do outro. Partilham e constroem juntos uma história que, de fato, é responsabilidade de ambos. Do jogador, por ter que dar sentido ao seu personagem e a trajetória que ele percorre. E do mestre, que deve tornar o mundo de jogo verossímil. Para atingir tal verossimilhança, é necessário que o universo do jogo responda àquilo que o personagem faça, reaja a ele. Quem acreditaria na veracidade de um mundo e na autenticidade de uma história em que não importa o que os personagens façam, o desfecho será o mesmo?

Aqui vem a minha crítica às aventuras prontas, sejam elas compradas ou criadas pelo mestre. Se o mestre abdicar do seu poder de total decisão dos rumos da história (não das regras, note bem), então as possibilidades se ampliam imensamente. Quando a aventura é guiada pelos objetivos, desejos e comprometimento do personagem com o seu próprio destino, sua própria história, todos ganham, mestre e jogadores.

Isso me faz pensar em outras questões: Que objetivos são esses? O que motiva o seu personagem? O que o impulsiona a seguir sempre em frente e construir seu próprio futuro? Será mesmo que esse tema é tão desnecessário quanto afirmam alguns “Livros dos Jogadores” por aí?

terça-feira, 27 de maio de 2008

RPG de corpo e alma

Atualmente, com o lançamento de novos jogos e novas regras para jogos de RPG, muito se tem discutido em fóruns e blogs sobre os resultados dessas mudanças. Tenho ouvido por aí pessoas dizendo que para a quarta edição de dungeons e dragons só faltou o joystick e, recentemente, li uma matéria no site Ambrosia, onde John Wick afirma que o novo D&D não é RPG.

Longe de querer aqui levantar a bandeira dos jogadores de dungeons e dragons ou apontar seus méritos, proponho a discussão do que é, em essência, um jogo de RPG. O que torna o RPG o que ele é? Quais elementos são indispensáveis ao RPG e que, sem eles, descaracterizariam o jogo?

Para continuar, vou partir da definição feita pelo próprio Jonh Wick:: “(...) o que define um RPG - é que os jogadores tomem papeis de personagens num jogo que tem mecânicas que habilitam e premiam as escolhas do personagem. Isso é um RPG.”

É uma definição simples e que, contradizendo o que o próprio autor afirma em seu texto, se enquadra perfeitamente bem para dungeons e dragons em qualquer uma de suas edições. O jogo dos Magos da Costa possui papéis de personagem muito bem definidos (talvez os mais bem definidos de todos os RPGs) e sua mecânica de premiação com pontos de experiência é discutível, mas ela existe e funciona.

Sua crítica maior recaiu sobre a motivação dos personagens, alegando que a mecânica do jogo não cobria aspectos motivacionais subjetivos, portanto próprios de cada um. Ora, a própria definição de subjetividade exclui essa possibilidade: Se tornamos a motivação um fator mecânico e, por isso, escrito e regulamentado em regras, ela deixa de ser pessoal e passa a ser geral. Ela perde sua individualidade que é o que tem de mais precioso e passa a ser objetiva, perdendo totalmente sua validade.

Para exemplificar o que está querendo dizer, o autor fala de um personagem ladino que criou e jogou por apenas uma aventura, por acreditar que o personagem já tinha cumprido com o seu papel! Segundo seus próprios critérios, ele está correto, mas do ponto de vista do jogo, isso não faz o menor sentido. Se a graça do jogo é jogar e construir uma estória, para que se livrar do personagem de maneira tão rápida? Ele justifica sua escolha dizendo que o personagem atingiu seu objetivo. Mas eu pergunto: o personagem tinha apenas um objetivo na vida? E mesmo que tivesse, após alcança-lo ele não definiu mais nenhum outro? Será mesmo que, dentro do universo fantasioso do jogo não haveriam mais possibilidades e conquistas para aquele personagem?

Do meu ponto de vista, John Wick ficou preso dentro daquilo que ele mais criticou, as regras! Ele criou para si próprio um “sistema de regras” pessoal, que o ajuda a guiar seus personagens, mas, sem perceber, está preso dentro de seus próprios paradigmas, sem conseguir visualizar outras opções.

Outro ponto que merece ser comentado e que parece ter sido totalmente ignorado pelo autor é que o RPG é jogado em grupo! Se seguirmos ao pé da letra o que ele diz sobre as escolhas do personagem, poderíamos ter a seguinte situação: um personagem quer ser Imperador, outro quer ser rico, um terceiro quer vingar a morte de seu pai e o quarto personagem quer apenas ser um explorador e se divertir com as curiosidades do mundo. Como mestrar para um grupo desses, levando em consideração apenas a motivação pessoal de cada personagem? A tarefa se torna impossível. O caminho da individualização total se mostra deveras estéril para um jogo que se propõe ser jogado em grupo.

Eu aparentemente me desviei bastante do meu foco que era discutir o que é o RPG em essência, mas todas essas digressões foram necessárias. Refletir sobre o que outras pessoas pensam sobre o assunto faz parte do processo. Dessa reflexão despontam indícios que nos permitem ver melhor o que temos diante de nós. E vê-se logo que a tarefa não é das mais fáceis.

Uma característica principal que todos os jogos de RPG tem, são as regras. Não existe RPG sem regras. Seja ela cheia de detalhes e complexa, como Gurps, ou tão bem amarrada à narração do jogo que até passa despercebida, como em Castelo Falkenstein. As regras podem se tornar o foco de seu jogo, de maneira que você passe a sessão inteira praticamente rolando dados e consultando livros. Ou elas podem estar quase completamente ausentes, com o jogo se baseando apenas na narração de seus integrantes e nas decisões do mestre.

O mestre funciona no jogo da mesma maneira que a natureza e o universo funcionam em nossa própria realidade. Para uma maçã cair de uma árvore, não precisamos fazer nada, a natureza se encarrega disso. Dentro do mundo de jogo, se o mestre não falar que a maça caiu, nada acontece. Por isso que, mesmo num estilo livre de jogo, baseado apenas na narração, sem rolagem de dados ou uso de cartas, ainda assim, haverão regras. A diferença é que você a transfere totalmente para as mãos do mestre.

Outra característica essencial aos jogos de RPG é a imaginação. É com ela que os jogadores pensam seus personagens, dão vida a eles, criam sua personalidade, seus desejos, suas ambições, suas vontades e todas as demais características que possuem. Seja esse personagem tão simples e previsível como: entrar na dungeon, matar o monstro e pilhar o ouro; ou tão complexa quanto o de Gregor Samsa, personagem de Franz Kafka em Metamorfose.

Também é com essa mesma imaginação que o mestre cria um mundo de jogo, com todos os seres que nele vivem, com toda a sua história e suas paisagens fantásticas. E, do mesmo modo, essa criação fantasiosa de um mundo pode ser tão simples como um pequeno quarto de hotel onde se passa toda a trama; ou gigantesco, cheio de raças e reinos diferentes como os Reinos Esquecidos.

Aqui já me atrevo a dar uma definição, embora simples, do que seja o RPG: o encontro da imaginação sem limites de seus participantes em contraponto as regras que a limitam. Uma sem a outra é qualquer outra coisa, menos RPG.

Hão de argumentar: porque não abrir mão das regras e ficar com a imaginação sem limites, não seria muito melhor? Seria sim, se o RPG não fosse um jogo de grupo! Para um escritor, imaginação sem limites é essencial, afinal ele tem que haver apenas consigo mesmo, é um trabalho solitário. Mas e quanto ao RPG? O que aconteceria se cada um dos jogadores da mesa imaginasse o que quisesse? Seria um caos, assim como as brincadeiras de polícia e ladrão de nossa infância: “Acertei você! Não, não acertou não!”

Ou poderiam dizer: então esqueçam a imaginação que só dá problemas e fiquemos apenas com as regras. Mas, desse modo, perde-se o faz de conta e tudo o que sobra são os tabuleiros e as miniaturas, limitadas pelo seu simples formato, tamanho e imagem. O guerreiro poderoso passa a ser apenas uma miniatura de plástico com pouco menos de 10 centímetros de altura e a magnífica bola de fogo passa a ser apenas representada por um número numa rolagem de dados.

Numa significação bem poética, gosto de dizer que:
  • A regra é como um corpo: nos mostra os limites; é concreta; nos ajuda a entender o que se pode ou não fazer com ele.
  • A imaginação é como a alma: busca sempre o que está fora de si própria; dá movimento e vida ao corpo; nos impele a buscar sempre mais.

Para mim, em essência, o RPG é uma entidade completa, formada da síntese entre o corpo e a alma que possui.

Para mim, na prática, RPG é um jogo praticado em grupo que usa a imaginação para contar estórias sobre personagens e acontecimentos que se passam num universo fictício, que é ancorado por um sistema de regras que possibilitam sua existência se tornar concreta e plausível. Dentro do grupo, temos os jogadores e o mestre. Aos primeiros, cabe viver essa estória através de um personagem fictício; e ao Mestre cabe conduzir essa estória, decidindo o que acontece ou não dentro do jogo.