quarta-feira, 4 de junho de 2008

Lidando com o grupo

Para um mestre de RPG não existe nada mais difícil do que lidar com o grupo de jogadores. Afinal, esse é o único ponto em que o mestre não tem total arbitrariedade. O mestre é livre para acrescentar o que quiser ao seu cenário, é livre para contar a história da maneira como achar melhor e livre para controlar todos os personagens de seu mundo. Mas, o jogador, aquele cara sentado ao seu lado na mesa, que pode ser um grande amigo ou um completo desconhecido, nesse o mestre não pode mexer em nada, precisa contar, isso sim, com sua colaboração na criação da história.

Então, como fazer para que os jogadores participem, de fato, da sua aventura, de forma que essa participação renda bons resultados? Nesse artigo, contei um pouco da minha experiência sobre como os jogadores podem dar mais vida aos seus personagens. Agora, vou tentar dar algumas direções ao mestre de como lidar com esses personagens, que possuem tantos interesses e histórias diferentes.

A tendência natural de jogadores com personagens bem estruturados em termos de interesses, personalidade e história, é a de darem mais atenção aos próprios personagens do que para o grupo. Nesse caso, a aventura se transformaria numa série de pequenas aventuras-solo, com cada um indo para um lado e nem se importando com que os outros estão fazendo. Há quem goste desse tipo de aventura e se adapte bem a ela, outros a consideram muito tediosa.

Então, como fazer para convencer seus jogadores a agirem juntos sem ter que abrirem mão da individualidade de seus personagens?

Uma solução possível é o mestre agir sobre os personagens e não sobre os jogadores. Muitos jogadores são resistentes e orgulhosos, não gostando que o mestre lhes diga diretamente que precisam trabalhar em grupo. O discurso comum dos jogadores é de que andar em grupo ou trabalhar em grupo não combina com o “estilo” do seu personagem. Tentar convence-los do contrário pode trazer muito desgaste e criar situações chatas no grupo.

Agir em cima dos personagens é muito mais fácil. Afinal, eles estão dentro do mundo de jogo, lugar onde o mestre tem total controle e faz o que quiser. Não tem como o personagem argumentar contra o mestre. O jogador pode, mas seu personagem não. Tudo o que ele pode faze é tentar lidar da melhor maneira possível com o que lhe acontece. Mas como fazer isso?

Unindo o grupo
A melhor maneira de unir um grupo cheio de personagens diferentes e que, a princípio, nunca trabalhariam juntos, é a força. Crie situações em que seja impossível eles sobreviverem ou vencerem algum desafio se não fizerem um esforço em conjunto. O melhor exemplo que me vem à cabeça é a minissérie Lost: dezenas de desconhecidos caem numa ilha misteriosa, repleta de pessoas e criaturas perigosas, além do perigo da floresta que os cerca. Logo na primeira noite alguns deles são seqüestrados e outros são mortos. O que fazer? O que é melhor: confiar nas pessoas estranhas que caíram do avião comigo ou no urso polar que vem correndo da floresta para me comer?

As pessoas se unem a um grupo para se protegerem. Um grupo traz segurança. Por mais diferente que as pessoas sejam, é muito melhor se juntar a elas do que enfrentar sozinho os perigos que se colocam à sua frente. Quando se vêem na mesma situação difícil e desconhecida, as pessoas deixam de lado seus preconceitos e atitudes egoístas para se protegerem. Um grupo dá força e coragem para que as pessoas continuem e façam o que é preciso fazer para sobreviverem. Quando diante de um grande perigo, principalmente um que seja impossível de se calcular, confiar nas pessoas que estão na mesma situação que a sua se torna prioridade.
Outra saída, contrária a essa de coagi-los, é a de torná-los especiais. Crie uma situação em que os personagens foram escolhidos ou, devido às circunstâncias, tornaram-se os únicos capazes de salvar a cidade, o país, o mundo, os deuses, ou de cumprir uma profecia antiga, ou completar uma missão importante. Os exemplo podem ser inúmeros. Mas deixe bem claro que esse status especial que eles receberam pertence ao grupo e não à um indivíduo em particular. Qualquer um que abandone o grupo deve perder todos os benefícios que teria ao participar dele.

Certa vez, ao iniciar uma campanha de fantasia medieval, uni os personagens da seguinte forma. Eles estavam num pequeno vilarejo se preparando para uma viagem quando a cidade foi atacada por centenas de mortos vivos, dos mais variados tipos e poderes. Antes que eles pudessem entrar em combate, seja para defenderem os habitantes ou a si mesmos, a abóbada do templo onde os personagens estavam se desprendeu e caiu sobre eles, prendendo-os e isolando-os do resto do vilarejo. Ao se libertarem, verificaram que foram os únicos sobreviventes ao insano ataque. Mas porquê? Um misto de culpa e curiosidade fez com que eles passassem a investigar juntos o que causou tamanha destruição e o porque deles terem sido os únicos que escaparam com vida.

Depois de algum tempo acostumados a trabalharem juntos, seja para sobreviverem ou para manterem um status, os personagens naturalmente irão desenvolver confiança mútua, criar laços de amizade e viver histórias juntos. Com essa relação construída, será mais fácil cada personagem voltar a dar atenção aos seus próprios interesses, sabendo que agora poderá contar com a ajuda do grupo na empreitada. Essa é a intenção: faze-los viver, com o tempo, seus próprios problemas, mas agora sabendo que podem contar uns com os outros para lidarem com eles.

Aqui, o mestre pode novamente intervir, criando “coincidências” na história. Quando um personagem for atrás de um objetivo pessoal, o mestre pode acrescentar eventos de interesse dos outros personagens para que estes o acompanhem também. Se algum personagem precisa atravessar o país de carro para entregar uma encomenda importante, faça com que outro personagem tenha parentes por lá que não vê há tempos, e que um terceiro personagem descubra que nessa cidade longínqua acontecerá uma convenção de Star Wars, coisa que ele adora. Assim todos se mobilizam para a viagem e o mestre dispõe de vários elementos narrativos para dar continuidade a história.

Manejo do grupo
Mestrar não é somente criar uma história onde os personagens possam viver uma aventura. Mestrar também é ter que lidar com os jogadores do grupo, e isso não é fácil. Por isso não é bom exigir dos jogadores que eles ajam em grupo, ou que escrevam história para o seu personagem, ou qualquer outra coisa que o mestre julgue importante. Ninguém gosta de ser mandado, de ser obrigado a fazer alguma coisa, ainda mais num hobby que é pra ser divertido como o RPG.

A melhor estratégia é levar esses conflitos para dentro da história. Dentro do mundo de jogo estamos no campo lúdico, na imaginação, no faz de conta. Tudo se torna mais “leve” e mais fácil de se lidar, afinal, é uma brincadeira! O que seria uma imposição se fosse feito de mestre para jogador, torna-se um desafio da aventura se for feito do cenário (representado pelo mestre) para o personagem.

Fazer o personagem sentir a importância de um trabalho em grupo quando ele é necessário, é obrigação do mestre. Se o jogador sentir que não faz diferença seu personagem agir em grupo ou não porque o resultado será o mesmo, então o mestre está errando em algum lugar. Trabalhar em grupo faz diferença. Se não fizesse, não seríamos seres sociáveis por natureza. Partidos políticos, igrejas, empresas, internet, orkut, tudo isso depende do engajamento e do trabalho em conjunto das pessoas. Porque em seu mundo de jogo seria diferente? Os personagens jogadores de suas aventuras se beneficiam de alguma forma na aventura quando trabalham juntos? O quanto seu modo de mestrar e suas histórias tende a unir ou afastar o grupo?

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